CGU edita norma que regula punição a servidor que fizer crítica na internet Funcionários têm ‘dever de lealdade’

Funcionários têm ‘dever de lealdade’ CGU diz que quer unificar entendimento

Órgão diz que não é contra críticas.

A CGU (Controladoria-Geral da União) editou norma técnica para unificar o entendimento sobre a legislação que determina condutas passíveis de punição a agentes públicos. A medida, assinada em 3 de julho de 2020, coloca as críticas e manifestações públicas feitas por servidores nas redes sociais contra decisões e políticas do governo federal como uma dessas situações onde se deve realizar investigação disciplinar.

Uma simples opinião de 1 servidor nestes canais [redes sociais], especialmente quando identificada a sua função e lotação, pode, a depender do seu conteúdo, desqualificar 1 órgão, gerar graves conflitos ou, em situações extremas, dar azo a uma crise institucional“, lê-se na norma técnica (íntegra – 12mb). Assim, o funcionário que publicar mensagem que cause “repercussão negativa à imagem e credibilidade” da instituição da qual faz parte pode responder por descumprimento do dever de lealdade.

A CGU avaliou que os funcionários públicos estão sob 1 regime jurídico “mais rígido e austero“, mesmo em suas vidas privadas. “Portanto, mesmo fora do período de trabalho, há de ser exigido do servidor, sob certos aspectos, 1 mínimo de comportamento ético, disciplinado e condigno com a função pública exercida, quando mais nos casos em que este se identifique como tal, ou que, de alguma forma, seja reconhecido como representante da Administração”, ressaltou o órgão.

A norma técnica ainda expande o conceito de “recinto de repartição” para abranger os funcionários em regime de trabalho remoto imposto por conta da pandemia do novo coronavírus. Segundo a CGU, a repartição passa a “se estender aos ambientes virtuais externos onde se verifique a produção de atividade administrativa ou de assuntos relacionados a atividade ou à função do servidor“.

Em nota, a CGU disse que as mudanças são de caráter técnico e não representam tentativa de censura aos servidores: “É importante esclarecer que a CGU não tem qualquer restrição à realização de críticas por parte dos agentes públicos. O que a CGU considera como passível de apuração disciplinar são aqueles atos que extrapolem os limites do razoável”.

Eis a íntegra da nota da CGU:

“Em relação à Nota Técnica nº 1.556/2020, a Controladoria-Geral da União (CGU) esclarece que o documento é fruto de 1 trabalho estritamente técnico da Corregedoria-Geral da União, órgão integrante da estrutura da Controladoria-Geral da União, e tem por base estudos doutrinários, manuais técnicos, legislação em vigor e orientações semelhantes de diversos órgãos públicos.

Dentre essas orientações, cite-se:

  • Recomendação nº 14, da Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União

  • Provimento nº 71, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça

  • Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal)

O trabalho da CGU ocorreu em razão de mudanças nas condições de trabalho recentes e dos avanços tecnológicos que vinham demandando análise sobre o alcance de alguns dispositivos da Lei nº 8.112/1990, que, se encontram, até certo ponto, superados pela evolução natural da sociedade e dos meios de comunicação. Um exemplo é o conceito de “recinto da repartição” contido no artigo 117, V, da Lei nº 8.112/1990, que veda ao servidor a realização de ato de apreço ou desapreço no “recinto da repartição”. No momento, em que grande parte dos servidores estão trabalhando à distância, fora do conceito geográfico de “recinto da repartição”, uma interpretação estrita desse dispositivo poderia terminar por dar margem a situações de franca impunidade.

Acrescente-se que essa era uma demanda já apresentada por vários órgãos de corregedoria.

É importante esclarecer que a CGU não tem qualquer restrição à realização de críticas por parte dos agentes públicos. O que a CGU considera como passível de apuração disciplinar são aqueles atos que extrapolem os limites do razoável.

Além disso, as orientações contidas na Nota Técnica questionada não se referem a eventual tratamento que deva ser dado a opiniões políticas ou sobre o governo por parte de algum agente público. O foco da Nota Técnica são questões interna corporis, relacionadas ao respeito e ao decoro que todos devem ter com questões que sempre possuem embasamento técnico.

Repare que não se trata, em hipótese alguma, de censura ao servidor. A internet não é – e não pode ser – 1 território sem lei, em que o agente público possa veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.

Quando assume 1 cargo ou emprego público, o agente se propõe a ser leal com a instituição a que serve. Não tem sentido ele assumir legalmente esse compromisso e, ao mesmo tempo, adotar ações que maculem a sua instituição. Eventuais críticas ou sugestões de melhoria de processos e fluxos podem – e devem – ser feitas, inclusive, nos canais oficiais.

A edição da Nota Técnica mencionada quis, apenas, deixar claro a interpretação dos artigos 116, II (ser leal às instituições a que servir), e art. 117, V (promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição), ambos da Lei nº 8.112/1990, para demonstrar que tais regras podem alcançar aquelas condutas de agentes públicos, realizadas em redes sociais, que tenham o objetivo de veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.

É importante observar ainda que o posicionamento contido na Nota é semelhante ao que vigora na própria iniciativa privada, com amparo em julgados do Tribunal Superior do Trabalho. A título de exemplo, observe nada impede que 1 empregado de algum veículo de comunicação possa externar posicionamento divergente do seu empregador de maneira respeitosa e decorosa. Críticas agressivas, contudo, obviamente, podem vir a ser objeto de questionamentos.

Cite-se jurisprudência sobre o assunto (AIRR 1649-53-2012.5.03.0007, da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Relator: Ministro Douglas Alencar Rodrigues):

“A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho não proveu agravo de instrumento de uma operadora de caixa que pretendia reverter sua demissão por justa causa aplicada em razão de ofensas postadas pela empregada no Facebook contra a própria empresa e os clientes”1 (Grifo nosso)”.

Poder360