Em ano eleitoral, relação de Zema com a Assembleia continua ruim
Mesmo liderando com vantagem as pesquisas de intenção de voto, faltando cerca de dez meses para as eleições, o governador Romeu Zema (Novo) terá como desafio em 2022 melhorar a interlocução com a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Em um parlamento pouco simpático ao político de primeira viagem, o ocupante do Palácio Tiradentes precisará agir para destravar a pauta e aprovar projetos importantes para o governo, como o Regime de Recuperação Fiscal.
Sem uma ampla base de apoio e com problemas na articulação, em 2021, o governo Zema aprovou apenas oito dos 21 projetos enviados ao Legislativo e teve um ano marcado por atritos com os deputados. No seu primeiro cargo elegível, o governador foi alvo de duas Comissões Parlamentar de Inquérito (CPIs) e enfrentou dificuldades em todos os projetos importantes que tramitaram.
Esse cenário de dificuldade na articulação foi evidenciado ainda mais no fim do último ano legislativo, com o governo recorrendo à Justiça contra o projeto aprovado pela ALMG, que congelou o IPVA 2022 aos moldes de 2021 e recorrentes troca de farpas entre Zema e o presidente da ALMG, Agostinho Patrus (PV). Diante desse cenário, é esperado que a relação continue conturbada, principalmente por se tratar de um ano eleitoral em que Zema e Agostinho – que conta com a maioria dos deputados – estarão em lados opostos na disputa eleitoral.
Clima quente. Em entrevista recente ao jornal O TEMPO e à rádio Super 91,7 FM, no dia 22 de dezembro, o governador subiu o tom contra a ALMG e principalmente contra o presidente Agostinho Patrus. Em determinado momento, o chefe do Executivo chegou a dizer que o presidente da ALMG tinha “atitudes de moleque.”
“Ele (Agostinho Patrus) e alguns outros deputados que estão lá sempre travando essas pautas que são importantíssimas. Projetos secundários são votados com a maior velocidade. Por que foi convocada a sessão lá quinze para meia-noite? Para poder fazer as coisas na calada da noite, e isso não é coisa que eu faço, não. Isso para mim é coisa, me desculpe o termo, de moleque”, disse Zema sobre o projeto do Regime de Recuperação Fiscal que não foi votado ainda e está travando a pauta por estar em regime de urgência.
Anterior à entrevista de Zema e também à rádio Super 91,7 FM, no dia 17 de dezembro, o chefe do Legislativo Mineiro já havia intensificado o tom. Ainda no contexto da judicialização de Zema contra o projeto do IPVA, Agostinho chegou a dizer que Zema “pensa ser um Bolsonaro de Minas”.
“Me parece, até pela amizade que ele tem com o Bolsonaro, pelo tanto que ele admira o Bolsonaro, que ele se acha um Bolsonaro de Minas. Que ele pode brigar, xingar e fazer o que bem entende. Eu sei que o governador vai estar junto com o Bolsonaro na campanha. Mas não é assim que a gente leva a política adiante. Minas é do consenso”, afirmou na época.
Nos últimos dias do ano a relação continuou tensa. Um pouco antes de Zema, enfim sancionar o projeto do IPVA, Agostinho deixou claro em suas redes sociais que caso o governador vetasse o projeto a ALMG derrubaria o veto.
O governador Romeu Zema e o presidente da ALMG foram procurados por meio das assessorias para poderem comentar sobre a relação entre Executivo e Legislativo e a expectativa para 2022. No entanto, nenhum dos dois respondeu.
Expectativa
O deputado Cássio Soares (PSD), que é líder do bloco independente, o maior da ALMG, afirma ser otimista para uma melhor relação entre Executivo e Legislativo a partir do dia primeiro de fevereiro de 2022, quando os deputados voltam do recesso parlamentar. No entanto, ele admite que, por se tratar de um ano eleitoral, existe o risco de que essa relação “azede”. “Eu temo que, por ser um ano eleitoral, possa haver mais embates, mas, de minha parte, e creio que deveria ser a parte de toda a Assembleia, é não entrar nessa provocação barata do Estado, do governo”, afirmou o parlamentar.
Para o líder da oposição, André Quintão (PT), a expectativa é que o governo abra mais o diálogo, caso queira aprovar projetos importantes ainda em pauta neste ano. “Esse movimento do governo no fim do ano, de forçar uma votação, de judicializar um projeto, de se negar a apresentar informações solicitadas, se mostrou pouca efetividade né. Então minha expectativa é que esses episódios do final do ano sirvam de exemplo para a nova postura da ALMG”, destacou Quintão.
Já para o líder do bloco de apoio ao governo, deputado Raul Belém (PSC), apesar da tensão natural em um ano eleitoral, o governo entra em 2022 com uma base um pouco mais consolidada devido à boa avaliação de Zema nas pesquisas. “Eu vejo que o governo tem uma base que se consolidou, até pela boa avaliação que ele vem tendo. E eu vejo o enfrentamento como o pior caminho. Para a Assembleia e para o governo também. Precisamos resolver isso na base da conversa e do diálogo”, pontuou o parlamentar.
O secretário Geral de Governo, Mateus Simões, por sua vez, disse que o governo buscará evitar embates eleitorais. “Imagino que a lógica seja a mesma, muito trabalho para entregar o que o Estado precisa, sem perder tempo com disputa eleitoral fora do período eleitoral. Minha perspectiva é de buscarmos avanços, portanto, como garantir a adesão do estado ao RRF”, afirmou.
“Fator eleição”
O cientista político e professor da UFMG Carlos Ranulfo destaca que o “fator eleição” pode, sim, manter ou até mesmo aumentar o tensionamento na relação entre Executivo e Legislativo em 2022. “Ano eleitoral tem sempre um fator a mais. Se o bloco do Agostinho avaliar que esse desgaste pode trazer algum ganho eleitoral, certamente vai explorar isso, ainda mais com a proximidade com o Kalil”, pontuou.
No entanto, conforme analisa Ranulfo, essa corda esticada com a ALMG não é interessante para Zema, que deve tentar amenizar a relação, a fim de aprovar projetos prioritários para o governo, como o Regime de Recuperação Fiscal e evitar que o desgaste recaia sobre a avaliação do seu governo.
” Qualquer desgaste na gestão é um desgaste que recai sobre os ombros dele (governador), não sobre os ombros da Assembleia. A população não avalia governo pela Assembleia e sim pelo Governo. Então, certamente, ao Zema não interessa um tensionamento com a Assembleia, o problema é que isso não depende só dele. Depende dele saber conversar e fazer certas concessões”, avaliou o professor da UFMG.
Ranulfo ainda pondera que, mesmo que os deputados optem por ampliar esse tensionamento com o governo, é possível que isso seja de forma discreta e sem demonstrações públicas.
“Por exemplo, o Regime de Recuperação Fiscal é algo polêmico. Você pode fazer disso um cabo de guerra sem se queimar”, afirma.
O professor completa dizendo que essa dificuldade em articular do governo Zema, observada em todo mandato, é fruto do discurso que o governador e o partido Novo assumiram no começo do governo, de não a concessões e coalizões. No entanto, para 2022 e um possível segundo mandato de Zem,a caso ele seja reeleito, Ranulfo avalia que esse perfil irá mudar. “O próprio secretário Mateus Simões já disse que é preciso fazer alianças. Eles aprenderam na prática. Governar sem aliança no Brasil é impossível. Em sistema partidário fragmentado como é nosso é preciso ter aliados, aliados mais próximos e fazer concessões”, conclui.
RRF em jogo
Apresentado em 2019, o projeto que que autoriza a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) – atualmente, uma das principais demandas do governo – segue sem ser votado.
Cabo de Guerra.Como o governo pediu regime de urgência ao projeto, ele trava a pauta de votação e isso impede que outros projetos sejam apreciados antes. O movimento foi interpretado por deputados como arbitrário, já o governo justifica que o PL precisa ser votado para que o governo não seja obrigado a arcar com R$30 bilhões para o pagamento da dívida com a União.
JORNAL O TEMPO