Um dos mandantes da chacina de Malacacheta é assassinado em Lagoa Santa

Adélcio Leite, que foi condenado a 229 anos de prisão, foi morto com dois tiros em frente a uma barbearia, nos mesmos moldes de outros crimes que cometera.

Adélcio Leite, ao ser preso em 1990 acusado de participar da Chacina de Malacacheta.

 

Um dos maiores pistoleiros da história de Minas Gerais foi assassinado na manhã dessa sexta-feira (17/7) com dois tiros – um no tórax e outro no abdômen – ao sair de uma barbearia, na Rua Conde Dolabela, no Bairro Várzea, em Lagoa Santa, Grande BH. Adélcio Leite, de 79 anos, era de uma família de matadores, que ficaram conhecidos como “Os irmãos Leite”, cujos crimes aterrorizaram o Vale do Mucuri.

No currículo, chacinas como a de Malacacheta, o assassinato de um herdeiro de terras no Maranhão e a morte do deputado mineiro Wander Campos.

Adélcio esteve preso na Penitenciaria Nélson Hungria por cerca de 20 anos. Saiu em 2013, graças a um indulto, por causa de sua idade. Há três anos, foi viver em Lagoa Santa.

No final da manhã dessa sexta-feira, como de costume, Adélcio foi até à barbearia para cortar o cabelo e fazer a barba. Depois de pagar, ao sair do estabelecimento foi surpreendido por uma HB20 preta, que parou em frente ao local. Da porta do passageiro, um homem saiu de arma em punho. Adélcio tentou sacar a arma que tinha na cintura, mas o assassino atirou duas vezes e esperou que ele caísse. Em seguida, entrou no carro, que arrancou em alta velocidade.

Curiosamente, um dos primeiros crimes dos irmãos Leite, em 1956, que não teve a participação de Adélcio, foi cometido por seu irmão mais velho, Zé Leite, que matou Zeca da Lia, quando este saía da barbearia do Dito, em Santa Maria do Suaçuí, a terra natal da família Leite.

Quando fizeram os primeiros exames no corpo, os policiais encontraram um revólver, que estava na cintura do pistoleiro. Não existe, até o momento, pista do matador. Os policiais disseram que ele “morreu do mesmo modo que tinha feito outras vítimas”.

Vida de crimes

Os irmãos Leite eram temidos em Minas Gerais. O quarteto era formado por Adélcio, Zé Leite, o mais velho e mentor intelectual dos crimes, Alírio – ambos morreram de morte natural –, e Toninho, o mais novo, que também morreu assassinado.

Eles eram famosos em Santa Maria do Suaçuí, a terra dos Leite, e eram acusados de diversos crimes. Mas logo ganhariam fama por serviços de pistolagem em todo o Vale do Mucuri. Governador Valadares, Diamantina e Teófilo Otoni formavam um triângulo e, dentro dele, os Leite agiam. Capelinha, Água Boa, Malacacheta, em especial, ficaram conhecidas como palcos de seus crimes.

Em 1974, os Leite, com a participação de Adélcio, foram responsáveis pelo assassinato do ex-deputado estadual Wander Campos. O político tinha fama de pistoleiro. Chegou a ser preso por um dos crimes que era acusado, ficando detido no DOPS.

Como o político era ligado ao governador Israel Pinheiro, tinha privilégios. Servia café na delegacia. Depois, recebeu indulto presidencial. Voltou ao Vale do Mucuri, onde havia nascido. Juntou-se com uma mulher, Gabi, que passou a cobrar uma vingança contra os Leite, que teriam matado seu pai. Zé Leite foi o matador.

Valente, Wander Campos se propôs a acabar com os Leite. Mas não esperava pela reação dos irmãos. Em uma audiência no fórum de Peçanha, se referiu aos Leite, que estavam presentes, como “cagões e ladrões de terras”.

Os irmãos ficaram ressabiados com os xingamentos e a raiva se acirrou quando tomaram conhecimento por meio de um amigo do Coronel Pedro, famoso caçador de bandidos e pistoleiros do Mucuri, que Wander Campos estaria contratando pistoleiros para acabar com o quarteto.

Apesar de temê-lo, os irmãos armaram uma emboscada. Em 7 de outubro de 1974, por volta das 13h, quando Wander Campos entrava em Água Boa, foi interceptado por Adélcio, Alírio e um terceiro pistoleiro contratado por eles, “Zé Pretim”, que o alvejaram no momento em que o político tentou sacar seus dois revólveres. Apesar de todas as provas serem contra os três, foram julgados e absolvidos em Capelinha.

Os irmãos Leite havia se aproximado dos militares, e assim conseguiam proteção para seus crimes. Pouco tempo depois, tinham uma lista de quem deveria morrer.

Na lista, Galileu Vidal de Oliveira, um fazendeiro que vivia em Governador Valadares. Eles tinham dificuldades em planejar seu assassinato por morar numa cidade considerada grande.

A família Leite teria um acordo com o coronel Jair Alves Pinheiro para não matar ninguém em sua região militar, sendo ele comandante do Batalhão PM de Valadares.

Galileu desconhecia esse trato e aceitou ir ao encontro dos irmãos Leite em Capelinha, onde selariam um almoço da paz para acabar com a rixa existente entre eles. Não podia desconfiar de seu amigo Telles, que também era bem relacionado com os Leite e era o intermediário do encontro.

Era uma armadilha. Em 8 de dezembro de 1979, por volta das 10h, Galileu embarcou em uma aeronave em Governador Valadares para Capelinha. Desembarcou às 11h20. Tão logo desceu, foi assassinado pelos Leite. Foram 29 tiros.

Os Leite eram também conhecidos por realizarem chacinas para tomar terras por causa de pedras preciosas. Em 1983, contrataram um pistoleiro, Donizete Pereira dos Santos, conhecido por “Giramundo”, para ir ao Maranhão e matar José Bernardino Pereira, chamado de “Juquita Peão”, herdeiro de terras em Água Boa. Esse crime ocorreu na Fazenda Alexandrinópolis. Com medo de serem assassinados, a família da vítima fugiu para Imperatriz.

Chacina de Malacacheta

Um dos crimes mais famosos cometidos pelos Leite – em todos Adélcio estava envolvido – ficou conhecido como a “Chacina de Malacacheta”, quando nove pessoas de uma só família foram assassinadas na cidade.

O crime ocorreu por causa de uma disputa de terras, em fevereiro de 1990. Joel Moreira Cordeiro , o “Jó”, pretendia assumir a administração das terras de sua amante, a Fazenda Palmital do Córrego Novo, em Malacacheta. No entanto, esta estava arrendada por Antônio Nunes Leite, o Toninho, irmão mais novo da família Leite, aliás, parente da herdeira.

Zé Leite e o irmão Adélcio no julgamento pela Chacina de Malacacheta(foto: Vera Godoy/EM – 21/8/97)

Toninho não pretendia deixar as terras. Já tinha, inclusive, feito uma proposta à herdeira. Quando Toninho arrendou a fazenda, havia um litígio pelas terras deixadas por José dos Anjos.

O contrato venceria em 1º de agosto de 1989, e, antes mesmo do vencimento, os tios da herdeira, Carlos, Sálvio e Valdir Correa de Souza, conhecidos como Carlinhos, Salvino e Bedeu, manifestaram o desejo de administrar as terras.

Os três filhos do fazendeiro Joaquim Correia de Souza, o Joaquim do Ó, que se relacionavam com os irmãos Leite, tinham interesse nas terras. Sabendo do interesse dos filhos de Joaquim do Ó pelas terras de sua amante, Jó resolveu assassiná-los, como ficou apurado pela polícia. Carlinhos, Salvino e Bedeu foram mortos em junho de 1989, mas sem a participação dos Leite.

Com o crime, um dos vértices do triângulo dos pretendentes às terras da herdeira de José dos Anjos estava eliminado. Restavam ainda, contudo, Jó Cordeiro e Toninho Leite.

Com plano arquitetado por Zé Leite, Adélcio, Alírio e Toninho contrataram capangas, que chegaram à fazenda dos Cordeiro vestidos com coletes da Polícia Civil e assassinaram toda a família de “Jó”.

Ao todo, aos irmãos Leite são atribuídos mais de 40 assassinatos. Antes de ser colocado em liberdade graças a um indulto por causa da idade, Adélcio tinha sido condenado a 229 anos de prisão.

 

Ameaça a jornalista: “Bom para uma faca”

Em 1982, logo após a posse de Tancredo Neves, eleito governador de Minas, recebi a informação de que os irmãos Leite estavam presos no Dops. Tratava-se da desarticulação de uma espécie de sindicato do crime. Os pistoleiros estavam agindo em nome de figuras influentes interessadas em terras ricas em minerais no Leste do Estado. Eles matavam os donos das fazendas, ficavam com a criação e os “sócios” com o solo recheado de pedras preciosas. Entrevistava-os, com perguntas pertinentes e impertinentes. À certa altura, o José Leite olhou firme para mim, bateu na minha barriga e disse: “Você tem um ‘zoinho’ bom para uma faca”. Desde então, andava no escuro e dormia sobressaltado. Agora, com essa notícia, posso voltar à cama com a certeza de um sono tranquilo e sem medo. (Arnaldo Viana, jornalista).

Estado de Minas