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Corrida do lítio promete fazer do Jequitinhonha o “vale da prosperidade”

Exploração do mineral polivalente usado em baterias como as que movem carros elétricos leva expectativa de prosperidade à região conhecida pela carência.

Área de exploração com caminhões sendo carregado de material

A planta de exploração da Sigma Lithium, que estima produzir 130 mil toneladas este ano e projeta capacidade de 766 mil toneladas em 2024.

 

Morador da localidade de Piauí, na zona rural de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, Ismael Chaves dos Santos, de 35 anos, se lembra do sofrimento ao longo dos oito anos em que foi obrigado a buscar a sobrevivência no corte de cana em terras distantes, só retornando para rever a família depois de meses.

 

Hoje, empregado a 18 quilômetros de onde mora, ele sempre volta para casa de moto após a jornada como operador de máquinas. Além de Deus, Ismael, assim como muitos outros moradores, agradece à nova esperança de redenção para uma região historicamente conhecida pela carência: a corrida pela exploração do lítio.

 

Como o ex-cortador de cana que há oito meses trabalha na Sigma Lithium, empresa que explora o mineral, muita gente que antes não tinha perspectiva de trabalho testemunha a esperança de uma revolução na economia, que promete transformar o Jequitinhonha em uma espécie de vale de prosperidade.

 

Assolada ao longo de décadas pelo fantasma da miséria, a região vive a expectativa de dobrar o Produto Interno Bruto (PIB) local, graças ao mineral que é matéria-prima polivalente, empregada por exemplo em baterias de usos diversos, incluindo a aplicação em veículos elétricos, tidos como o futuro da indústria automobilística.
A exploração do mineral nobre já foi iniciada em uma planta instalada entre os municípios de Araçuaí e Itinga pela Sigma Lithium, que, ao longo de 10 anos, investiu cerca de R$ 3 bilhões na região. Negócio que foi destaque na viagem do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), a Nova York, no início de maio.
Zema lançou na bolsa de valores Nasdaq o projeto Lithium Valley Brazil. O projeto econômico-social visa desenvolver cidades dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, e também do Norte de Minas, em torno da cadeia produtiva do lítio, gerando empregos e renda para a população dessas regiões, que abrigam a maior reserva nacional do minério.

 

As mudanças no Jequitinhonha são sentidas não somente na geração de empregos, mas também no comércio, na arrecadação de impostos municipais e na melhoria da qualidade de vida, o que é fundamental em cidades como Itinga, que já foi considerado um dos municípios mais carentes do Brasil – o que motivou a sua escolha como um dos locais do lançamento do Programa Fome Zero (incorporado ao atual Bolsa-Família), em 2003, no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

 

Planta bilionária pode multiplicar PIB 

 

Denominado Grota do Cirilo, o projeto de extração tem a perspectiva de produção de US$ 5,1 bilhões em lítio apenas nas duas primeiras das três fases de exploração. O grupo informa já ter acordos firmados com alguns dos maiores players do mercado mundial para a produção de baterias, como a LG, empresa que fornece peças para montadoras como Volkswagen, GM, Fiat Stellantis, Audi e Porsche.

 

Segundo a Sigma, o lítio retirado e beneficiado na região tem valor estimado em até US$ 6 mil a tonelada, enquanto o material bruto chega a US$ 60/ton. A empresa paga royalties – dos quais 60% ficarão com Araçuaí. A estimativa é de que o PIB local cresça 47%, passando de R$ 337 milhões para R$ 497 milhões. Em Itinga, o salto estimado é percentualmente maior, de 135%, passando de R$ 118 milhões para R$ 278 milhões.

 

Imposto e emprego 


Prefeito de Itinga, João Bosco Versiani Gusmão Cordeiro (PP), o Bosquinho, comemora os impactos que a corrida do lítio provoca na cidade de 15 mil habitantes. Ele destaca que, desde novembro de 2021, foram criados 475 empregos diretos no município, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Para mim, como prefeito, ver dois ou três ônibus levando pessoas para trabalhar no próprio município é uma alegria enorme”, afirma.

 

O prefeito atesta ainda que a exploração de lítio fez a receita com o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) em Itinga saltar de “cento e poucos mil reais” para quase R$ 3 milhões em 2022, com a perspectiva de chegar a R$ 3,6 milhões neste ano. E diz que o aumento é “tímido” diante da expectativa de arrecadação com a Contribuição Financeira sobre Exploração Mineral (Cfem) do lítio, que ainda deve entrar nos cofres municipais após a efetivação da venda do produto. 
A corrida do lítio já se reflete também no comércio da cidade, que fica a apenas três quilômetros da entrada da mina da Sigma. Uma proximidade que impulsionou negócios como o de Leila de Fátima Fernandes da Silva, dona de um restaurante que viu seu faturamento se multiplicar ao fornecer refeições para funcionários da própria Sigma e de empresas terceirizada.
Leila de Fátima Fernandes da Silva, dona de um restaurante em Itinga: aumento do faturamento com extração de lítio. Sérgio Vasconcelos/Divulgação

 

Mas foi no distrito de Taquaral, com seus cerca de 3 mil habitantes, que ocorreu a mudança mais notável em virtude da exploração mineral. Vizinho ao local onde é feita a extração do lítio, o povoado historicamente pobre, marcado pela saída anual de trabalhadores para o corte de cana, viu a migração diminuir ao mesmo passo em que o comércio local prosperava.
Até os imóveis do lugarejo, que antes pouco valiam, tiveram brusca alta de preço, como conta Edvaldo Gonçalves Pego. Segundo ele, o terreno da sua família na entrada do distrito, às margens da BR-367, era avaliado até um ano atrás em R$ 400 mil. “Agora, estamos negociando por R$ 1,5 milhão, para a montagem de um posto de gasolina”, contou. 

Outro que apostou no crescimento do lugar foi Lacir Barbosa de Almeida Júnior, que, há um ano e meio montou uma loja de materiais de construção em Taquaral. Com o reflexo da atividade mineral, ele destaca que subiu a renda per capita, o que contribuiu também para a fixação dos moradores no distrito

Impacto socioeconômico

 

Números da Sigma Lithium no Vale do Jequitinhonha

>> 1 mil empregos diretos já criados. Estimativa de geração direta de 1,5 mil vagas, com 70% da mão de obra selecionada entre moradores da região
>> Expectativa de criação de 13 mil postos indiretos de trabalho
>> Perspectiva de produção de US$ 5,1 bi em lítio nas duas primeiras fases de exploração
>> Araçuaí – Projeção de aumento de 47% no PIB (de R$ 337 mi para R$ 497 mi)
>> Itinga – Projeção de salto de 135% (de R$ 118 mi para R$ 278 mi)

 

Araçuaí vê tempo de prosperidade.

 

Uma das cidades mais populosas do Vale do Jequitinhonha, com 36,7 mil habitantes e IDH de 0,663, Araçuaí tem expectativa de que a corrida do lítio impulsione ainda mais sua economia. A esperança está ligada especialmente ao fato de contar com melhor infraestrutura de serviços, como hospedagens e atendimento de saúde.

 

Presidente da Associação Comercial e Industrial da cidade, Marcos Antônio Costa Miranda afirma que são perceptíveis os benefícios decorrentes do empreendimento, como geração de emprego e renda e impulso no mercado de bens e serviços. “Todos se beneficiam, especialmente os setores de hotelaria, alimentação e imobiliário”, avalia.
Ele acredita que a atividade mineral vai mudar o perfil socioeconômico do Vale. “A exploração do lítio nos proporcionará condições de vida mais dignas, como melhores vias para escoar nossa produção, mais educandários oferecendo cursos voltados para a vocação do Vale, a reestruturação do nosso sistema de saúde e segurança”, avalia.
Homem com equipamento de proteção lida com uma máquina

O ex-cortador de cana Ismael Chaves Santos, que fez curso e trocou a migração para o corte de cana pelo trabalho na mineração

 

Mas há quem já sinta os reflexos da corrida do lítio. Que o diga Marinha Oliveira Moreira, de 52 anos. “O que eu ganhava em dois anos, agora ganho em sete meses”, festeja a dona de pousada em Araçuaí, que alugou toda a estrutura da hospedaria, de 27 quartos e 53 camas, para uma empresa terceirizada da Sigma
A Sigma sustenta que mantém política de dar prioridade à mão de obra local. Como parte dela, criou o programa Volta ao Lar, que tem “repatriado” ao Jequitinhonha pessoas que haviam saído em busca de oportunidades em outras partes do país.
Fonte: Estado de Minas  –  Economia

 

 

 

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