Avenida Treze de Maio, número 44. Foi lá que há exatos dez anos, no Centro do Rio, veio abaixo o Edifício Liberdade, arrastando na queda também outros dois imóveis. O desabamento, no dia 25 de janeiro de 2012, deixou 22 mortos – os corpos de cinco vítimas nunca foram encontrados.
Passada uma década, parentes de vítimas ainda lutam por justiça. Entre diferentes laudos e perícias, uma pergunta continua sem resposta: quem são os responsáveis pela tragédia?
Em 2017, Sérgio Alves de Oliveira e Cristiane do Carmo Azevedo, sócios da empresa Tecnologia Organizacional, a TO Brasil, foram absolvidos da acusação criminal após serem denunciados pelo Ministério Público fluminense.
Com isso, a Justiça descartou a tese de que teria sido uma obra da empresa, no nono andar do prédio, que causou o dano estrutural no Edifício Liberdade. No entendimento do juízo da 31ª Vara Criminal da capital, outros fatores podem ter contribuído para a queda do imóvel.
Na esfera cível, a busca de reparações se arrasta na Justiça. No ano passado, em ação civil pública oferecida pela Defensoria Pública estadual (DPRJ), o Município do Rio foi condenado a pagar pensões vitalícias a familiares das vítimas. A TO Brasil novamente foi considerada isenta de culpa.
A Defensoria recorreu da sentença da 3ª Vara da Fazenda Pública. Em setembro do ano passado, o órgão pediu a revisão do caso para que a TO Brasil também fosse condenada. E que, além de pensões, também fossem pagas indenizações aos parentes das vítimas.
O Município do Rio também atacou a decisão por considerar ser injusta a condenação da administração pública da capital. O prefeito Eduardo Paes (PSD) reclamou dizendo que o “poder público não é babá”. Isso porque a Justiça considerou na sentença que o município deixou de fiscalizar a obra que pode ter levado à queda do edifício.
A tese é reforçada pela Defensoria Pública. Mas, sobre a participação da TO Brasil, o subcoordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da DPRJ, Daniel Lozoya, afirma “não ter dúvida” de que o colapso no Edifício Liberdade aconteceu por conta da obra no nono andar.
Segundo ele, a obra estava sendo feita sem supervisão de profissional habilitado e acabou cortando uma parede de concreto armado que cumpria um função estrutural no imóvel. Ele acrescentou que depoimentos e laudos técnicos demonstram que isso ocorreu.
“Estamos confiantes que nosso recurso será provido, e a justiça prevalecerá para as famílias das vítimas mortas e desaparecidas nesta tragédia”, afirmou Lozoya.
O caso, que se arrasta desde 2013, ainda não teve um desfecho definitivo. E o pagamento dos parentes das vítimas só deve acontecer quando o processo transitar em julgado, ou seja, quando os recursos forem esgotados.
Cadáver errado
Vera Gitahy é mãe de Bruno Gitahy Charles, ex-funcionário da TO Brasil que trabalhava no Edifício Liberdade. Aproximadamente 15 minutos antes do desabamento (que aconteceu às 20h30), Vera falou pela última vez com o único filho, que na época tinha 25 anos.
“Foi um descaso completo. Acredito em responsabilidade da firma, mas também no órgão que deveria verificar. Tinha o Theatro Municipal ali do lado. Então, eu acho que a fiscalização faltou com isso. E faltou em relação às pessoas que faleceram ali”, contou Vera.
Uma das grandes mágoas da idosa, de 69 anos, é não ter certeza se o corpo que enterrou em 2012 foi mesmo o do filho. Isso porque, segundo informado pela defesa dela, muitos cadáveres acabaram retalhados pelo trabalho de escavadeiras usadas para retirar os escombros.
Para Vera, a situação remete ao desastre humanitário de Brumadinho, em Minas Gerais, onde 270 pessoas morreram e uma dezena segue desaparecida. O rompimento da barreira da mineradora Vale foi em 2019, sete anos depois da queda do Edifício Liberdade.
“A única lembrança que eu tenho é do meu filho vivo. Meu filho era um menino lindo… E esse descaso… Toda vez que eu vejo notícias de Brumadinho, não tem como eu não achar um absurdo. A falta de fala. A gente vê que estamos num país totalmente podre”, desabafou a idosa.
Sem saber se de fato era o filho dentro do caixão, Vera acrescentou que às vezes custa acreditar que Bruno se foi. O que dá certeza a ela é a ausência, já que o jovem nunca mais voltou para casa.
“Muitas saudades. Meu filho era um excelente filho. Você sabe que ele morreu porque ele nunca mais voltou, mas você não tem essa ideia de que o seu filho morreu. Até porque eu não vi meu filho. O direito que eu deveria ter, não me deram.”
Morreu de tristeza
A mineira Yokania Bastone tinha 34 anos e veio ao Rio para trabalhar e estudar. Em São João Del Rei, de onde era, foi criada com a prima-irmã Paula Bastone, produtora cultural.
“A minha tia entrou em contato com a minha mãe, e a minha mãe me falou: ‘A gente está achando que a Yokania estava no desabamento dos prédios no Rio’. Eu falei: ‘Não acredito nisso’. Aí que a gente foi procurar ela, ligava, ligava, e ela não atendia. A menina com quem ela dividia o apartamento estava desesperada porque ela não tinha voltado pra casa”, contou Paula.
Yokania estava fazendo um curso no Edifício Liberdade no momento do desabamento. A confirmação de que ela estava no prédio só foi possível porque o sinal do celular dela foi localizado lá. O corpo da mulher é um dos que, até hoje, seguem desaparecidos.
Paula contou que elas ainda tentaram pedir às autoridades que procurassem o cadáver, mas nada foi feito.
“Nunca foi encontrado nada do corpo dela. Absolutamente nada. E ainda por cima, a mãe dela, depois de cinco anos, recebeu uma carta autorizando o sepultamento. Logo depois que foi constatado que ela estava no prédio, a Justiça mandou pra ela uma guia de sepultamento. Sepultar o quê, se o corpo não foi encontrado? Isso é deboche! A mãe dela faleceu de tristeza”, disse a prima da vítima.
‘Só quero esquecer’
Antônio Molinaro é cirurgião-dentista e era o dono de cinco consultórios no 4º andar do Edifício Colombo, outro imóvel que veio abaixo com a queda do Liberdade. Dez anos depois, o lamento do homem é a letargia da Justiça.
“Em dez anos do desabamento, nada andou. Fiquei à frente da Associação das Vítimas da Treze de Maio por cinco anos, mas nada mudou. A sensação é de que não existe Justiça. Era o livro da minha vida, mas eu desisti, coloquei de volta na estante e só quero esquecer”, desabafou.
Retrato do Brasil
Proprietária do Edifício Colombo, Vera Marina Barros Jorge, assim como Antônio, tem pouca ou nenhuma esperança de que se faça justiça.
“Essa situação é o retrato do Brasil atual. Nada andou, e eu já tenho em mente que isso só será solucionado para os meus netos. Graças a Deus, só tive perda material, não perdi nenhum ente querido, nem morreu ninguém no meu prédio”, agradeceu a mulher.
G1 RIO