Em salões de beleza e academias, precaução não elimina risco de pegar Covid-19

O uso de máscaras, o distanciamento físico e a higienização com álcool em gel minimizam, mas não eliminam o risco de contaminação do coronavírus nos salões de beleza e barbearias. Nas academias, a situação é ainda mais grave. Os frequentadores tocam o rosto com frequência para remover o excesso de suor, saliva ou secreções oculares e encostam nos equipamentos que serão usados por outras pessoas, causando a disseminação dos vírus.

Essa é a visão de especialistas da área de saúde sobre o decreto publicado pelo presidente Jair Bolsonaro que inclui academias, salões de beleza e barbearias na lista de serviços essenciais e que, portanto, poderiam voltar a funcionar durante a quarentena. O uso de máscara e de luvas não elimina o risco de contaminação, na opinião de Eduardo Flores, virologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no Rio Grande do Sul. “Prova disso é que médicos e enfermeiras, profissionais treinados, também acabam se infectando. O contato entre o profissional e o cliente é muito próximo nos salões de beleza”, completa o especialista.

Outro virologista, Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), lembra o fluxo constante de pessoas nesses locais. “Isso eleva a probabilidade de entrada do vírus e de sua disseminação”, diz o especialista. Para Jônatas Santos Abrahão, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os riscos existem mesmo se profissionais e clientes estiverem usando máscaras.

“Uma pessoa infectada expele partículas virais em quantidades muito altas. O vírus pode permanecer suspenso no ar por algum tempo e eventualmente infectar as pessoas. O uso de máscara ameniza a transmissão, mas é muito comum as pessoas tocarem as máscaras e os olhos com as mãos. Em seguida, podem depositar o vírus em objetos”, diz o estudioso. “O vírus em objetos pode permanecer infeccioso por dias, dependendo do material e dos procedimentos de desinfecção”, completa.

O professor exemplifica com uma pesquisa de que participou recentemente. Em Belo Horizonte, foram selecionados os locais públicos das regiões com o maior número de casos, de acordo com dados da prefeitura. Das 101 amostras coletadas em superfícies públicas, o novo coronavírus foi confirmado em 17. O coronavírus deixou sinais nos corrimãos dos pontos de ônibus, calçadas, mesas e bancos públicos. O laudo foi apresentado à prefeitura, que higienizou os locais. “Os resultados da pesquisa reforçam que pacientes infectados expelem e depositam vírus nas cidades.”

Evaldo Stanislau, infectologista e professor de Medicina da Universidade São Judas, sublinha a preocupação com as superfícies. “Por mais que haja distanciamento físico, uma superfície que não esteja totalmente higienizada pode contribuir para aumentar o risco. Esse risco nunca é zero. Ele sempre fica na dependência do cumprimento dos procedimentos de prevenção à risca, uso correto de EPIs e de se evitar aglomerações”, avalia.

Paula Martins, bióloga e microbiologista formada pela Unesp, explica a função de cada equipamento de proteção individual. “No caso dos salões, a luva não quer dizer nada. O coronavírus não passa pela pele. A recomendação para lavar as mãos se deve ao fato de que levamos muito as mãos ao rosto. Com a luva, seria a mesma coisa”, exemplifica. “A ideia da máscara é minimizar a dispersão do vírus. Mas as caseiras não vedam totalmente, não têm uma filtragem. O ar entra e sair pelas beiradas, por exemplo.

Risco maior nas academias
Embora os especialistas sejam unânimes em afirmar que não há evidências sobre a transmissão do vírus pelo suor, todos consideram as academias locais de alto risco de transmissão do vírus, maior que os salões de beleza. A maioria dos frequentadores toca o rosto com frequência para remover o excesso de suor, saliva ou secreções oculares. Com isso, toalhas, bebedouros, halteres, barras e todos os equipamentos que foram tocados são passíveis de contaminação.

Além disso, as pessoas respiram de forma intensa durante os exercícios e podem transmitir, pela respiração, gotículas com mais força e de forma mais abundante. Com isso, elas podem contaminar o instrutor ou outros clientes. “O risco de uma pessoa transmitir o coronavírus é maior do que de uma pessoa em repouso”, garante Eduardo Flores.

Especialistas afirmam que o uso de álcool 70% nas mãos, objetos e equipamentos pode ajudar, mas não garante a desinfecção. Além disso, os ambientes são fechados, com grande circulação de pessoas. Brandão afirma que uma saída para diminuir o risco seria reduzir o número de clientes, criando um sistema de rodízios, por exemplo, descontaminando os materiais e equipamentos com álcool em gel. Mesmo assim há riscos, alerta o especialista. “Nem todos sabem usar máscaras adequadamente, nem todas as máscaras são adequadas. “Não consigo imaginar alguém usando máscara numa academia. Não vão usar”, argumenta.

O guia médico da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para a volta gradual do futebol após a pandemia traz tópicos específicos sobre os treinos em academias. “Deverá observar e manter o ambiente de treino ventilado em caso de treinamento em academia, com uso de ventiladores, portas e janelas abertas”, diz trecho do documento entregue ao Ministério da Saúde e aguarda aprovação.

Stanislau afirma que a única forma de diminuir o risco de contaminação nas academias é não abri-las. “Não há como abrir uma academia coletiva em um momento de pandemia. É uma medida tresloucada, sem suporte e que não poderá ser adotada. O exercício teria de ser feito sob controle, em academias individuais ou ao ar livre”, opina.

Eduardo Flores concorda que os treinos deveriam ser individuais, com professor e aluno usando máscaras e luvas, e desinfecção total dos aparelhos antes do uso pelo próximo aluno. Por outro lado, ele admite que, na prática, o modelo dificilmente seria adotado.

Fonte: O Tempo

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