Ronnie Lessa teria tentado matar Marielle ainda em 2017, diz Elcio Queiroz
Em delação premiada, ele afirma que o suposto autor do crime teria confidenciado, no réveillon de 2018, tentativa anterior, que fracassou
O ex-policial militar reformado Ronnie Lessa teria tentado matar a vereadora Marielle Franco ainda em 2017, ano anterior ao do crime que vitimou a parlamentar e o motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. A informação foi revelada por Élcio Vieira de Queiroz, que teria dirigido o carro no dia do atentado. Ele assinou acordo de delação premiada, já homologado pela Justiça.
Segundo Élcio Queiroz, que confessou participação no episódio, Ronnie confessou que já teria tentado praticar o crime meses antes. A revelação se deu no réveillon de 2017 para 2018. Na ocasião, segundo Ronnie, o assassinato só não ocorreu em razão de Maxwell Corrêa, o “Suel”, outro preso por participação no crime, ter dito que o carro que eles usariam “deu problema”. Segundo Élcio, Ronnie afirmou que estava com Suel e com o outro policial chamado Edmilson, apelidado de “Macalé” e que foi morto a tiros em 2021.
Élcio Queiroz afirmou, porém, que Ronnie disse a ele que não acreditava que havia de fato dado problema no carro.
Na delação premiada, Élcio Queiroz confirmou que, em março de 2018, quando o assassinato de fato se deu, era ele quem estava dirigindo o Cobalt usado no crime. Ele afirma que foi Ronnie quem fez os disparos com uma submetralhadora desviada do Bope. Já Suel teria sido responsável por fazer campanas para vigiar a vereadora. No dia do crime, porém, foi substituído por ele.
Informações de delator foram checadas e confirmadas por investigadores
Ainda na coletiva no Rio, o promotor de Justiça Eduardo Morais Martins, integrante da força-tarefa formada com a PF para desvendar o crime ocorrido em 2018, afirmou que as informações da delação premiada de Élcio Queiroz foram confirmadas por levantamentos feitos pela investigação.
“A novidade que houve foi a colaboração (de Élcio), que não é por acaso. Fruto de trabalho de revisão, melhoramos o arcabouço probatório para que pudesse investir numa linha estratégica de delação. Foi corroborada com levantamento. Não adianta receber informação por si só. Só adianta quando é corroborada. Se mostrou, em vários momentos, completamente de acordo. A versão apresentada foi confirmada de forma bem taxativa”, ressaltou o promotor.
Eduardo Martins contou ainda que, na delação, Élcio Queiroz disse que para conversas mais reservadas ele e Ronnie Lessa usavam o aplicativo Confide, que ofereceria “tripla confidencialidade” – nesse app a mensagem criptografada é destruída imediatamente após a leitura. Com a quebra de sigilo de dados da “nuvem”, peritos conseguiram comprovar o uso do aplicativo pelos supostos assassinos de Marielle e Anderson.
Flávio Dino disse que há outro envolvidos na morte de Marielle
Mais cedo, em Brasília, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que a investigação realizada pela PF aponta que há outras pessoas envolvidas nos assassinatos de Marielle e Anderson, além dos três militares já presos.
“Sem dúvida há a participação de outras pessoas, isso é indiscutível. As investigações mostram a participação das milícias e do crime organizado do Rio de Janeiro no crime”, ressaltou Dino, ao lado do diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, na manhã desta segunda.
Dino convocou entrevista coletiva logo após o desencadeamento da operação para prender Maxwell Corrêa e cumprir mandados de apreensão em apuração sobre o duplo homicídio. O ministro afirmou que, nas próximas semanas, devem ocorrer outras operações contra alvos apontados nas investigações como mandantes do crime. Até agora, a PF mirava os executores.
Dino contou que a operação desta segunda ocorreu a partir de delação premiada realizada há cerca de 15 dias por Élcio. “Élcio Queiroz confirmou em delação premiada a participação dele próprio, do Ronnie Lessa e do Maxwell. Temos o fechamento desta fase, com a confirmação de tudo que aconteceu no crime. Há elementos para um novo patamar da investigação, que é descobrir os mandantes”, afirmou o ministro.
Ronnie Lessa, que tem ligação com milícias, já foi condenado por outros crimes: comércio e tráfico internacional de armas, obstrução das investigações e destruição de provas.Ele é apontado como líder de milícia.
Quem é Maxwell Simões, preso em operação da PF
O ex-bombeiro Maxwell Corrêa também integrava grupo miliciano que atua no Rio de Janeiro. Por isso ele tinha patrimônio incompatível com seus rendimentos, de acordo com a investigação.
Na decisão que autoriza a prisão do ex-bombeiro, a Justiça fluminense afirma que o “acusado ostentaria patrimônio incompatível com suas receitas” e que “haveria indícios de que integraria organização criminosa armada para exploração de ‘gatonet’ em Rocha Miranda”, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.
No Rio, o fornecimento ilegal de TV a cabo por meio de ligações clandestinas é chmado de gatonet, um dos serviços das milícias que atua na capital fluminense e região metropolitana. Outras atividades ilegais desses grupos são a venda de gás de cozinha com preço abusivo e o transporte de passageiros por vans.
Maxwell ostentava luxo nas redes sociais, onde publicava fotos com correntes de ouro em momentos de lazer, como passeando de lancha no mar e tomando cerveja na piscina de casa – localizada em um condomínio de luxo no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio, está avaliada em mais de R$ 4 milhões.
Maxwell Corrêa era integrante do Corpo de Bombeiros Militar do RJ à época dos assassinatos de Marielle e Anderson. Ele virou alvo de um processo disciplinar após ser citado em investigação sobre o crime. O procedimento militar resultou na expulsão de Maxwell, em maio do ano passado.
A defesa dele recorreu da decisão. Em janeiro deste ano, o juiz Bruno Monteiro Rulière, da 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa da Comarca da Capital (cidade do Rio de Janeiro), atendeu a um dos pedidos da defesa e converteu sua prisão preventiva em domiciliar por 30 dias. Os advogados alegaram que o bombeiro precisava de uma cirurgia para a retirada de pedra na vesícula.
Ex-bombeiro já havia sido preso por atrapalhar investigação
Maxwell Corrêa já havia sido detido, em 2020, e condenado a quatro anos de prisão “por atrapalhar de maneira deliberada” as investigações das mortes de Marielle e Anderson.
Durante essa primeira prisão do ex-bombeiro, estavam entre os alvos de mandados de busca e apreensão a BMW-X6 dele. O carro estava avaliado, à época, em quase R$ 200 mil. Na garagem da casa dele, a polícia também encontrou uma lancha.
Segundo as investigações do MP do Rio e da PF, em 13 de março de 2019, um dia após as prisões dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, denunciados como autores dos crimes, Maxwell ajudou a ocultar armas de fogo de uso restrito e acessórios pertencentes a Ronnie, que estavam em um apartamento no bairro do Pechincha, usado pelo ex-PM, e em locais ainda desconhecidos.
De acordo com a investigação, Maxwell cedeu o veículo usado para guardar o vasto arsenal bélico pertencente a Ronnie Lessa, entre 13 e 14 de março de 2019, para que o armamento fosse, posteriormente, descartado em alto mar por um de seus comparsas, Josinaldo Freitas, o Djaca.
A polícia cogitou que uma das armas pode ter sido usada no ataque contra Marielle. O veículo de Suel ficou estacionado no pátio de um supermercado na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Suel, segundo as investigações, tentou plantar falsas testemunhas para esconder a propriedade do carro, mas elas foram desmentidas.
Maxwell e Élcio Queiroz são considerados os melhores amigos de Ronnie Lessa. Foi o ex-bombeiro que salvou Lessa durante uma troca de tiros no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca. Na ocasião, logo após os assassinatos de Marielle e Anderson, o ex-PM havia sofrido um assalto e foi ajudado por Maxwell.
Condenado, Maxwell estava em regime aberto
Um ano após a primeira prisão, em fevereiro de 2021, a Justiça condenou o ex-bombeiro a quatro anos de prisão. O juiz Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo, da 19ª Vara Criminal, autorizou o cumprimento da pena em regime aberto e determinou que Maxwell prestasse serviços à comunidade.
O benefício durou até a manhã desta segunda-feira, quando policiais federais prederam Maxwell na casa dele, na Operação Élpis, primeira fase da nova investigação sobre o duplo assassinato – apesar da condenação de executotres, até hoje não se sabe quem é o mandante do crime.