O habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal) a André Oliveira Macedo, o André do Rap,foi alvo de contestações durante os últimos dias. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, suspendeu a liminar no sábado (11.out.2020) após o traficante já ter saído da prisão. Ele não foi encontrado para retornar à detenção.
O traficante é considerado pela Justiça 1 dos principais membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Outros traficantes já conseguiram habeas corpus junto ao ministro. Especialistas divergem das decisões de Marco Aurélio.
O ministro baseou-se no artigo 316 do Código do Processo Penal para decidir sobre André do Rap. O texto estabelece que as prisões preventivas devem ser revisadas a cada 90 dias. Ele foi inserido no Código de Processo Penal após o Pacote Anticrime ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019.
Outro membro do PCC, Ricardo Rissato Henrique, preso pela Polícia Civil paulista em 2013, também teve habeas corpus concedido pelo ministro em dezembro de 2015. A liminar foi suspensa em abril de 2016.
Por conta de uma investigação que envolvia o traficante, a Justiça determinou que as operadoras de telecomunicações bloqueassem, em dezembro de 2015, os serviços do aplicativo de mensagens WhatsApppor 48 horas em todo o Brasil.
Marco Aurélio entendeu ter havido excesso de prazo da manutenção da prisão preventiva, que naquela data já se estendia por sete anos. A liminar foi suspensa em março de 2017.
Outro habeas corpus concedido foi para o traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, que ficou conhecido por matar o jornalista Tim Lopes em 2002. Em 2017, 1 mandado de prisão preventiva foi expedido contra ele pelo crime associação para o tráfico.
Segundo o ministro, a concessão de habeas corpus se justifica devido ao excesso de prazo. A liminar foi suspensa em maio de 2019.
Ao Poder360, o professor e advogado Lenio Streck disse que, para ele, as decisões do ministro Marco Aurélio são corretas.
“É 1 ministro que julga sem olhar a quem. No caso de André do Rap, o ministro deferiu a liminar com amparo no excesso de prazo. Quem cochilou no ponto foi o Ministério Público e o juiz, o ministro só cumpriu a lei”, disse.
Welington Arruda, advogado criminalista e mestrando do IDP, defende que o ministro é 1 dos únicos que julga todas as pessoas igualmente.
“Com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, Marco Aurélio talvez seja o último dos moicanos. Ele é 1 grande defensor da Constituição, muitas vezes tem o voto vencido porque não julga conforme a capa, está corretíssimo. O que ele fez foi escancarar a falha do sistema punitivista brasileiro”, pontuou.
Já o procurador de Justiça Roberto Livianu, que é doutor em Direito e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, afirma ser necessário olhar cada caso. Ele explica que, como André do Rap tinha condenações em 2ª Instância, o ministro deveria ter encaminhado o caso para o juiz de 1ª Instância para verificar se a prisão preventiva deveria ter sido mantida.
“É 1 ministro que possui uma postura garantista. É necessário garantir os direitos, mas é preciso ter atenção também ao direito da sociedade, ela precisa ser protegida. André do Rap é líder do narcotráfico no país, liderança do PCC e tem conexões com o tráfico internacional, essas situações exigem especial cuidado”, disse.
JUÍZES JUSTIFICAM
Em nota, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) disse considerar importante esclarecer alguns pontos da atuação da Justiça Federal nos processos relativos à operação Oversea. Em especial, relativa à soltura de André do Rap.
“A posição do Ministro Marco Aurélio, que levou à soltura de André do Rap, é isolada. Em um caso da mesma Operação Oversea, o posicionamento do Ministro ficou vencido na 1ª Turma em sede de habeas corpus”, disse.
No que diz respeito aos prazos para reavaliação da necessidade de prisão preventiva, a Ajufe avalia que o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal tem aplicação controvertida na doutrina e na jurisprudência.
“O decurso do prazo de 90 dias estabelecido na lei anticrime não implica automaticamente a colocação em liberdade de réu preso, conforme já decidido pelo STF. Nesse caso específico, se for excedido o prazo, a análise será feita pelo juízo ou tribunal da necessidade da manutenção da prisão preventiva. Nos casos de interposição de recurso há controvérsia se os tribunais devem fazer essa revisão”, apontou.
Eis a íntegra da nota:
“A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) considera importante esclarecer alguns pontos da atuação da Justiça Federal nos processos relativos à Operação Oversea. Em especial, relativa à soltura do narcotraficante internacional, André Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap.
A posição do Ministro Marco Aurélio, externada no Habeas Corpus nº 191.836/SP, que levou à soltura de André do Rap, é isolada. Em um caso da mesma Operação Oversea, o posicionamento do Ministro ficou vencido na Primeira Turma em sede de habeas corpus.
No que diz respeito aos prazos para reavaliação da necessidade de prisão preventiva, a Ajufe avalia que o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019, tem aplicação controvertida na doutrina e na jurisprudência.
O decurso do prazo de 90 dias estabelecido na lei anticrime não implica automaticamente a colocação em liberdade de réu preso, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 189.948/MG. Nesse caso específico, se for excedido o prazo, a análise será feita pelo juízo ou tribunal da necessidade da manutenção da prisão preventiva. Nos casos de interposição de recurso há controvérsia se os tribunais devem fazer essa revisão.
Contudo, o caso do narcotraficante recentemente liberado foi julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região sem excesso de prazo na prisão preventiva, sendo a apelação do Processo em 25 de junho de 2020.
Depois de confirmada a condenação do réu em segundo grau de jurisdição, tendo ele ficado foragido por quase cinco anos e tendo respondido ao processo preso preventivamente desde 15/09/2019, a reavaliação, pelo Poder Judiciário, dos requisitos da prisão cautelar, não se basearam em análise preliminar, mas sim numa avaliação definitiva das provas colhidas no curso do processo.
Encerrada a jurisdição federal em 1º e 2º graus, não há que se falar mais em reavaliação quanto a feitos que tramitam em outras instâncias do Poder judiciário.
Vale ressaltar que os juízes federais sempre cumpriram com zelo e diligência os atos relativos à sua competência criminal, respeitando as leis federais, a Constituição e o estado de direito.”