Prefeitos podem impedir eleições em tempos de pandemia? Especialistas divergem

Prefeitos que pressionam pelo adiamento das eleições municipais deste ano comentam, nos bastidores, que podem ter poder para inviabilizar a realização do pleito em seus respectivos municípios. Eles defendem a tese de que medidas de combate à pandemia do novo coronavírus, como regras de isolamento social, proibição de aglomerações e até mesmo a decretação de lockdown, podem adiar as eleições. O entendimento é baseado na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que lhes deu autonomia para definir as ações de enfrentamento à Covid-19.

A tese divide especialistas em direito constitucional ouvidos pela reportagem: dois deles disseram que, por se tratar de uma previsão constitucional, a data das eleições não pode ser alterada sem a aprovação de uma emenda à Constituição Federal. Já um terceiro descarta a adoção irrestrita da prática, mas afirma que nos municípios afetados de forma mais contundente pela pandemia haveria respaldo jurídico para que as eleições sejam adiadas por decisão dos prefeitos.

Na segunda-feira, 8, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso, disse que há consenso sobre o adiamento das eleições por algumas semanas, entre novembro e dezembro, mas descartou que a realização do pleito se estenda até 2021, para evitar que haja a prorrogação dos mandatos atuais. De acordo com Barroso, é necessário aprovar uma proposta de emenda à Constituição para alterar a data das eleições.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reforçou que há um consenso sobre o adiamento da data do pleito, mas que as eleições devem ser realizadas ainda neste ano para que não haja prorrogação dos mandatos. Maia quer definir uma nova data com as lideranças do Congresso até o final de junho para, em seguida, aprovar uma emenda constitucional.

Para o professor de direito constitucional da UFMG, Onofre Batista, o respaldo jurídico para que os prefeitos impeçam a realização das eleições em seus municípios é relativo, mas diz que é possível que isso aconteça “em casos extremos e graves” da pandemia do novo coronavírus, desde que a medida seja “bem caracterizada e fundamentada”.

“Você imagina que está uma crise violenta , o prefeito poderia (adiar as eleições)? Eu acho que sim. Ele primeiro responde pela dignidade da pessoa humana e pela segurança. Se ele fizer em cima de uma orientação técnica aguda, com todos os contornos de razoabilidade, eu não vejo como inibir uma ação do prefeito em defesa da vida de seus concidadãos”, explicou.

Já o professor de direito constitucional da Mackenzie, Flávio de Leão Bastos Pereira, lembra que é competência exclusiva da União legislar sobre direito eleitoral. Assim, os prefeitos não poderiam, mesmo que de forma indireta, ao decretar lockdown, por exemplo, suspender as eleições.

“Atos neste sentido podem ser considerados inconstitucionais. Mudanças de datas são possíveis. Mas não a partir de decisões de alguns prefeitos”, afirma.

Alexandre Bahia, professor de direito constitucional do Ibmec, também entende que não há base jurídica para que os prefeitos impeçam a realização das eleições porque eles não teriam poder para interferir na Justiça Eleitoral, responsável por realizar as eleições.

“Eles estariam violando uma questão da Federação, já que é um órgão da União, e a própria separação de poderes, por ser um órgão do Judiciário”, diz. Para ele, a questão teria que ser resolvida politicamente. “Mas se a gente pensar em um extremo em que a conversa não seja possível, talvez fosse o caso de uma intervenção federal no governo estadual, se for um Estado a fazer isso, ou uma intervenção estadual nos municípios que fizerem isso”, explicou.

Fonte: O Tempo